Seja bem-vindo(a)

Esse blog foi criado com a intenção de ampliar o diálogo entre o pessoal do Poesia na Praça e aqueles que gostaram da ideia.

Muitas vezes, nos rápidos encontros que temos com nossos interlocutores, ficamos com a sensação de que seria muito bom continuar a conversa. Então criamos esse espaço, na esperança de que essa também seja a sensação de quem ficou com o poema nas mãos e a lembrança desse encontro.

Sem contar que aqui poderemos apresentar um material mais rico e interessante. Se você chegou até aqui, esperamos que volte muitas outras vezes.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Açaí

Essa é uma das canções que gostaríamos de ter levado para a praça. A riqueza imagética da letra remete a grandes poemas. Um show!

domingo, 7 de agosto de 2011

Filme Sugerido - Eclipse de Uma Paixão


Eclipse de Uma Paixão mostra a relação tempestuosa entre Arthur Rimbaud e Paul Verlaine. Leonardo DiCaprio, à época um jovem ator, conhecido mas ainda sem a projeção que o dera Titanic, encarna Rimbaud em um dos melhores filmes de sua carreira. David Thewlis, que atualmente é sucesso de bilheteria com a trilogia infanto juvenil Harry Potter, interpretou Paul Verlaine.

Vale a pena assistir!

A 3ª vez

Em nossa terceira vez resolvemos falar sobre dor, separação, sentimentos viscerais sem os quais a vida também não teria o menor sentido.

Os quatro poemas que selecionamos são absolutamente apaixonantes. A riqueza imagética e força avassaladora de autores como Rimbaud ou Augusto dos Anjos tornam seus poemas uma experiência pessoal e muito intensa.

Para baixar os quatro poemas no formato pdf basta clicar na imagem abaixo. Divirta-se!

Vida que vai na sela dessas dores

E porque viver também dói, o poeta lança seu grito. E se debate, e chora, e se agita, e zomba de si mesmo, como um herói que, tendo se disposto a lutar contra a natureza, se descobre impotente, incapaz de vencer a batalha.
O poeta pensa a respeito da vida e seus absurdos, suas contradições, sobre nossa condição humana, num esforço para encontrar nela sentido. Para encontrar o lugar de cada um de nós. Uma busca, evidentemente, sem fim. Por isso, não raro, sobram o sarcasmo e a fina ironia, talvez como única atitude possível.
E que não se engane quem pensa que o encanto da poesia está somente nos poemas de amor! Essa poesia “filosófica”, dilacerante, é também envolvente e sedutora. Certamente porque não haverá ser humano que não saiba, afinal, o significado do verbo “sofrer”.

Versos Íntimos

Augusto dos Anjos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável  
Enterro de tua última quimera.  
Somente a Ingratidão - esta pantera -   
Foi tua companheira inseparável! 


Acostuma-te à lama que te espera!  
O Homem, que, nesta terra miserável,  
Mora, entre feras, sente inevitável  
Necessidade de também ser fera. 


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!  
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,  
A mão que afaga é a mesma que apedreja. 


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,  
Apedreja essa mão vil que te afaga,  
Escarra nessa boca que te beija!

Ler Augusto dos Anjos é como tomar um soco. Fica uma impressão atordoante que não pode ser apagada dos olhos de quem lê. O estilo ousado e vertiginoso causou espanto e reações controversas entre leitores e escritores brasileiros do início do século passado. Em 1912 ele lançou seu único livro, intitulado Eu. De início acusavam-no de ser presunçoso, por causa do título. Alguns julgavam seus sonetos incoerentes e pouco originais. Crítica injusta, já que justamente a originalidade do autor foi o que o fez tão copiado e seu livro um dos mais editados no Brasil do século XX. Nascido na Paraíba, filho de senhores da cana-de-açúcar, viu a ruína financeira da família, o que provavelmente contribuiu para que desenvolvesse uma fixação mórbida pela condição humana naquilo que ela tem de finita, de perecível. Morreu aos 30 anos, vítima de pneumonia, em Leopoldina/MG.

Uma Temporada no Inferno

Arthur Rimbaud
     Antes, se lembro bem, minha vida era um festim em que se abriam todos os corações, todos os vinhos corriam.
     Uma noite, fiz a Beleza sentar no meu colo. E achei amarga. Injuriei.
     Me preveni contra a justiça.
     Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, a vós meu tesouro foi entregue!
     Consegui fazer desaparecer no meu espírito toda a esperança humana. Para extirpar qualquer alegria dava o salto mudo do animal feroz.
     Chamei o pelotão para, morrendo, morder a coronha dos fuzis. 
Chamei os torturadores para me afogarem com areia, sangue. A desgraça foi meu Deus. Me estendi na lama. Fui me secar no ar do crime. Preguei peças à loucura.
     E a primavera me trouxe o riso horrível do idiota.
     Ora, ultimamente, chegando ao ponto de soltar o último basta!, pensei em buscar a chave do antigo festim, que talvez me devolvesse o apetite dele.
     A caridade é a chave.  Inspiração que prova que eu estava sonhando!
     “Continuarás hiena, etc...”, repete o demônio que me orna de amáveis flores de ópio. “A morte virá com todos os seus desejos, e o teu egoísmo e todos os pecados capitais.”
     Ah! Pequei demais: - Mas, caro Satã, por favor, um cenho menos carregado! E esperando algumas pequenas covardias em atraso, como aprecia no escritor a falta de faculdades descritivas e instrutivas, lhe destaco estas assustadoras páginas do meu bloco de condenado eterno.

Rimbaud (pronucia-se “Ramboud”) teve uma vida tão pouco convencional que, para melhor apreciar o que escreveu, é bom saber alguns detalhes de como viveu. Aos 13 anos já tinha recebido prêmios por seus escritos em latim. Aos 17 acaba com o casamento de um dos maiores poetas franceses de seu tempo, Paul Verlaine, que abandona a família para viver um romance com Rimbaud pela Europa afora, tomando absinto e fumando haxixe. Separam-se. Verlaine atira em Rimbaud e vai preso. Rimbaud escreve suas maiores obras: “Uma Temporada no Inferno” e “Iluminações”. Após isso, aos 20 anos, abandona deliberadamente a poesia para se tornar traficante de armas e mercenário. Morreu aos 37 anos, vítima de um câncer no joelho.

Rimbaud continua a ser influência marcante na literatura universal. Não à toa mereceu de Vinicius de Moraes a lacônica observação: “[Ele] foi o maior de todos”.

Benedicite

Olavo Bilac
Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o tecto;
E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto,
Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo;


E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;


E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano;
E o que inventou o canto; e o que criou a lira;
E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano...


Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira, 
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!



Glossário:
Charrua: grade de ferro que, puxada por bois, serve para arar a terra do campo.
Abjeto: imundo, desprezível.
Quilha: em sentido figurado, usado antigamente, é o mesmo que navio.
Urdir: tecer, entrelaçar.
Lira: antiquíssimo instrumento musical de cordas.

Benedicite (termo em latim cuja tradução é “abençoado”) é o nome de uma oração tradicional recomendada pela doutrina católica, retirada do livro de Daniel e dos Salmos. Aqui, em especial devido à última estrofe, ganhou outro contorno, muito mais ácido e menos ortodoxo.

Típico do parnasianismo, corrente da qual Bilac foi um grande representante, o último verso é o ponto alto do poema. Por isso ele é comumente conhecido como verso de ouro.

Soneto de Separação

Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma  
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.


De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.


Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinicius de Moraes, o nosso “poeta da paixão”, exercitou como ninguém a arte de se apaixonar. Casou-se nada menos do que nove vezes. Certamente amava o sabor da conquista e de um romance inédito. E resignadamente aceitava a dor do rompimento, como consequência inevitável, como a outra face da moeda.
Soneto de Separação claramente não se refere exclusivamente à separação amorosa. A separação aqui é genérica. E melancólica! Foi escrito em 1938, a bordo de um navio que o levaria à Inglaterra, onde estudou língua e literatura inglesas na universidade de Oxford. Ao lado de Soneto de Fidelidade, é um de seus poemas mais conhecidos.

domingo, 17 de julho de 2011

Filme sugerido - Palavra (En)cantada

 
Excelente filme que explora a relação entre a poesia e outras formas de arte, em particular, a música. Especilamente recomendado para quem ainda não descobriu que literatura e poesia têm lugar "na mesa do café". Imperdível!

NOTA: Estamos organizando uma exibição gratuita do filme "Palavra Encantada" no espaço da escola Kumon, no bairro Eldorado. Ainda não temos data definida. Se alguém se interessar, por favor, envie um comentário.

sábado, 9 de julho de 2011

A 2ª vez

O violão já está afinado. Hoje, em nosso segundo encontro, vamos para a praça falar de poesia e MPB.  Nada melhor!

Selecionamos quatro canções de quatro artistas diferentes para levar nos panfletos. Evidentemente essa "amostra" é muito pequena, dada a dimensão e a qualidade do cancioneiro popular brasileiro. Entretanto julgamos que, do ponto de vista poético, as quatro selecionadas não ficam a dever às demais.

Se você quiser baixar os arquivos dos panfletos (no formato pdf), basta clicar na imagem abaixo.

Poesia para voz e violão

Música popular e poesia são expressões de um universo à parte, o interior humano. E essa não é a única semelhança entre essas duas formas de arte. A pulsação, o lirismo, a letra... Bastaria dizer que poetas frequentemente transitam entre uma e outra. Vinicius de Moraes, Waly Salomão, Torquato Neto são exemplos de autores que também contribuíram para o espetacular cancioneiro brasileiro.

Mas compor canções com matizes de poemas não é exclusividade de quem “nasceu” no reino das letras. Há artistas que imprimem em suas composições a sedução inevitável da poesia. Buscam, assim como os poetas, fugir do lugar-comum. Recusam clichês, metáforas como “flor do meu jardim”, “estrela do meu céu”, que de tão gastas já não significam nada. Ao contrário, buscam palavras exatas, metáforas originais, inusitadas às vezes, que conquistam na medida em que surpreendem e decifram o que normalmente sentimos sem saber explicar.

Esquadros

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores!
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
Eu ando pelo mundo divertindo gente chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...
Pela janela do quarto
Adriana Calcanhoto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados
De um lado eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto para quem?
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Adriana Calcanhoto faz parte de uma recente geração de artistas que oxigenou a MPB, misturando um leque amplo de influências em um som moderno e arrojado. A canção Esquadros revela também uma compositora de olhar agudo, que observa a metrópole com o espanto e o lirismo próprios de pensadores e poetas. Com ela, Adriana nos coloca ora de um lado da janela, ora do outro, para nos mostrar um insólito cotidiano ao qual já nos acostumamos.

Oceano

Assim
Que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão,
Dava prá ver o tempo ruir
Cadê você?
Que solidão!
Esquecera de mim?
Enfim,
De tudo o que
Há na terra
Não há nada em lugar
Nenhum!
Que vá crescer
Sem você chegar
Longe de ti
Djavan
Tudo parou
Ninguém sabe
O que eu sofri...
Amar é um deserto
E seus temores
Vida que vai na sela
Dessas dores
Não sabe voltar
Me dá teu calor...
Vem me fazer feliz
Porque eu te amo
Você deságua em mim
E eu oceano
E esqueço que amar
É quase uma dor...
Só sei viver
Se for por você!

Djavan é certamente um dos mais conhecidos “poetas” da música brasileira. E não é por menos. Oceano é apenas uma das canções que demonstram sua capacidade criativa. Riquíssima em metáforas de muito bom gosto, que suscitam imagens surpreendentes. Senão o que dizer de “amar é um deserto e seus temores”? Ou “dava pra ver o tempo ruir”? Ou ainda “vida que vai na sela dessas dores”? Fantástico!

Faz Parte do Meu Show

Cazuza




















Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor
Te levo pra festa e testo o teu sexo com ar de professor
Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom
Se eu te escondo a verdade, baby, é pra te proteger da solidão
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Confundo as tuas coxas com as de outras moças
Te mostro toda a dor
Te faço um filho
Te dou outra vida pra te mostrar quem sou
Vago na lua deserta das pedras do Arpoador
Digo 'alô' ao inimigo
Encontro um abrigo no peito do meu traidor
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou
Vivo num 'clip' sem nexo
Um pierrot retrocesso
meio bossa nova e 'rock'n roll'
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor


Cazuza foi um artista que dançou, sapateou, sambou sobre a moralidade e os costumes brasileiros na década de 80. Apaixonadamente transgressor, fez de sua vida uma experimentação cujos resultados deram qualidade poética às suas canções. Sua vida e sua obra se misturam. Cantou e viveu com uma irreverência quase ingênua esse amor “ordinário”, provocante, que confunde coxas e testa o sexo com ar de professor.

Ê boi

ê boi ê boi ê boi
quem ficará quem foi
ê bumba iê iê
eu também já fui boi
A lua clareou no terreiro
berreiro eu parei pra escutar
e abri a janela do mundo
eu ria na noite vazia
eu via mas crer eu não cria
um saco de vento fechado
e o tempo parado no fundo
Zeca Baleiro
 morena vem cantar a toada
zoada eu cansei de escutar
cinema onde a luz não se esconde
quem sabe o olho acusa
e a blusa da musa me veste
amor palavra sem uso
vacina da peste



...Eu só faço música por causa da poesia”. Palavras de Zeca Baleiro que estão na apresentação de seu terceiro álbum, batizado de Líricas. E nem precisava dizer! Cada canção do cd demonstra a íntima ligação entre a arte do compositor maranhense e a poesia. Na versão de estúdio Zeca recita um trecho de Poema Sujo, obra de outro maranhense, o poeta Ferreira Gullar.

Ê boi é a sexta faixa do álbum. Com sonoridade e vocabulário regionais, é ao mesmo tempo moderna. Com uma narrativa sinuosa, visita imagens popularmente associadas ao sertão nordestino para falar de saudade e de outros sentimentos absolutamente universais, para os quais sequer temos nomes. Uma canção que talvez remeta a Guimarães Rosa: “O sertão é o mundo”.